quarta-feira, 3 de março de 2010

Um Merecido Olhar de Cuidado ao Docente


O trabalho docente já foi e tem sido objeto de muitas análises, estudos, interpretações, críticas, lamentos e recomendações. Neste breve artigo, pretendo tratar acerca do trabalho docente a partir do desgaste que este causa ao seu sujeito, e que comumente se manifesta por meio do tão banalizado stress.
Lembro a colocação de Perrenoud, ao afirmar que a docência é uma “profissão impossível”, no sentido de que o professor, submetido a constantes mudanças e incertezas, não consegue vislumbrar o sucesso de seu empreendimento.
Há algum tempo, começou a ser diagnosticada pela psicologia do trabalho, uma síndrome que parece representar fortemente as angústias muitas vezes vividas e sentidas por muitos docentes: a “Síndrome de Burnout”. Trata-se, como toda síndrome, de um conjunto de fatores, sintomas e comportamentos, que neste caso expressam uma situação de forte esgotamento do indivíduo. Em geral, diagnosticada em profissionais que atendem ao público, que trabalham sob pressão e que não vêem o resultado de seu trabalho, a síndrome também acomete frequentemente o docente. A metáfora utilizada para ilustrar a condição de “Burnout” é a de uma vela que acesa se queima e, queimada, expressa seu esgotamento, seu término, sua finalização. A “chama” aparece como energia consumida, que não pode ser recuperada. Assim, o indivíduo vivencia certo “desamparo”, um cansaço físico, mental e emocional que lhe faz (pensar em) desistir da jornada.
Ministrando cursos de especialização na área da educação, frequentemente tenho a oportunidade de dialogar com muitos docentes, especialmente do ensino fundamental e médio, que tem manifestado em seu discurso, elementos que apontam claramente para os sintomas acima mencionados. O docente, em geral, se sente cansado, e carente de reconhecimento. Questiona-se a si próprio e ao seu interlocutor, dizendo: “qual o sentido de minha atividade profissional? A cada semestre ou ano que eu termino, tenho a sensação de não ter realizado nada... Sinto que ter ou não realizado meu trabalho não significou nada no final...”.
Lamentavelmente, muito pouco se tem dado ao docente no sentido de fazer-lhe recuperar sua auto-estima, sua consciência crítica, que lhe permita mensurar e discernir com clareza sobre as agruras de sua profissão, sem voltar-se para a auto-culpabilização, a auto-crítica sem piedade. É provável que outros, talvez, coloquem-se numa postura simplista de descaso e desinteresse, culpando o sistema, a direção, o governo. Contudo, falo aqui daqueles que me dizem da sua angústia, do seu sentimento de dívida, de incompetência, de insatisfação consigo mesmos.
Foi-se o tempo em que o trabalho docente era sacerdócio, e é melhor que não o seja, pois se trata de uma profissão, que deve ser percebida como tal. Mas também se foi o tempo em que o trabalho docente se resumia a “dar aulas”, nas quais as palavras do professor possuíam a autoridade da competência.
Hoje, ser (um bom) professor implica em capacitar-se na utilização de ferramentas tecnológicas; trabalhar as diversidades multiculturais em sala de aula; exercitar o papel de professor-pesquisador e professor-reflexivo; enfrentar as diferentes formas de crianças, adolescentes e jovens lidarem com a autoridade, dadas as profundas mudanças no universo e estrutura familiar; estar atento às novas gangues, tribos e linguagens; executar atividades burocráticas, com pontualidade; ser diplomático o suficiente para mostrar-se subserviente frente aos superiores (pais-clientes, direção, etc) e ainda assim exercitar a autoridade frente aos alunos para garantir a disciplina da classe; ser amigo do aluno e posteriormente seu avaliador; enfim, entre tantas e muitas vezes contraditórias atividades, emergem diariamente alguns dos agentes estressores que favorecem o despontamento da síndrome de Burnout, em meio ao trabalho docente.
Desde as contribuições do “velho” Karl Marx, estudiosos apontam como uma das conseqüências do trabalho abstrato a falta de satisfação do trabalhador, seus efeitos nocivos para a subjetividade humana, que constantemente anseia por significados para suas atitudes e vivências. Contudo, envolvido em meio a tantas requisições, extensa e intensa jornada de trabalho, muitas vezes mal compreendido pelo seu público (alunos, pais de alunos, sociedade em geral), o docente vê seu trabalho distanciar-se cada vez mais do trabalho concreto, gerador de sentido e satisfação pessoal.
É certo que muitos dos docentes com quem dialogo, em geral são ainda jovens, determinados a realizarem seus ideais referentes à educação, concebendo-a como um compromisso ético-profissional. É a estes docentes que devemos nosso olhar de cuidado, de consideração e de reconhecimento, no sentido de perceber-lhes a dor, os anseios, o esforço e a capacidade. E este merecido olhar de cuidado aos docentes, estes, de carne e osso, com sentimentos, sonhos, ideais e comprometimento, é o que devemos nós todos, alunos, gestores, instituições escolares, sociedade em geral.
Enfim, sem me alongar um pouco mais, minha reflexão vai no sentido de clamar por uma nova percepção do docente, para que não cheguemos à triste conclusão que nos apresentou Perrenoud, afirmando que a docência é mesmo “uma profissão impossível”!




Profa. Dra. Elizabete David Novaes, é doutora em Sociologia; docente nas Faculdades COC de Ribeirão Preto.
Fonte: http://www.jornal.coc.com.br/default.aspx?IdCategoria=95&idSite=95&Categoria=Artigos